domingo, 24 de junho de 2012
LEIA NA ÍNTEGRA O POEMA
‘PRATELEIRA’ DA OBRA INÉDITA ODE TRISTE PARA AMORES INCABADOS DE AUTORIA DO
POETA E JORNALISTA RIBAMARENSE FERNANDO ATALLAIA
Prateleira
Para Bjork, Ana Cristina César, Vera Fischer e Luma de Oliveira.
Junte duas pitadas de sal de palavras
Una-as em demasia pelos
toldos do pensamento
Escoradas as penas da memória inicie o exercício:
Uma existência nua sob olhos encostados
Insinuação de dúvidas na prateleira e um sussurar entre paredes
Eis aí o mundo a ser tocado
Do passado tire a prova das ideias
E mexa nas paráfrases dos significados
A pedra renomeie para pão e ao pão dê mais bocas que todos os
glutões
Uma língua ensoberbada funda seus becos precipícios
Assim como o amor cava seus instantes em bocas tão opacas
Poeta ribamarense pergunta a Vera Fischer: cabe a mim desvendar os enigmas do desejo? |
Avizinhe-se das gatas dos
novelos e das madrugadas
E abasteça-se de cílios
para ver além dos olhos
Uma topada na escuridão faz
nascerem vagalumes embriagados
Cuidado ao atravessar músculos nervos e
embriões
Assim como um amor
exasperado reclama sua leveza
A queda no amar extingue humanidades inspira palavrões
Do cálculo às raízes do sentir vão com tudo estradas vórtices e fantasmas
Cabe a mim desvendar os enigmas do desejo?
Nenhum pelo irrompe por acaso
Assim como a pele tem seus condomínios e vertigens
Melhor ser imagem na parede que vultos frios a derredor
O fogo lânguido em seus vulcões nunca buscou além de si somente água
E umbigos nascidos relvas tocam mais que vulvas nos quintais da virgindade
Cabe a mim de fato comungar das reentrâncias do desejo?
2012
Sarneylândia
Hoje, depois de 46 anos de domínio sarneysístico, o IDH do Maranhão é o segundo pior do Brasil. E o de São Luís, que alguns moradores bem-humorados chamam de Sarneylândia, está em vigésimo-primeiro lugar entre as capitais. Os nomes dos culpados estão espalhados pela cidade.
Por José Roberto Torero
Da Carta Maior
Estes dias estava em São Luís e decidi correr um pouco pelas ruas da cidade. Seria mais uma batalha na luta contra meu próprio abdômen, que teima em não parar de crescer.
Mal dei meus primeiros passos e vi que pisava na avenida Presidente José Sarney. Para me livrar dos maus fluidos, entrei numa grande ponte que há por lá. Só então percebi que ela se chamava Governador José Sarney.
Uma mesma pessoa dando nome a dois logradouros? Seria um engano de placas? Quando voltei ao hotel, consultei o mapa da cidade e vi que, além do presidente e do governador, também o Senador José Sarney fora agraciado com o nome de uma avenida.
O maranhense José Sarney: imortalizado ainda em vida, ''se não colocarem o meu nome nas instituições públicas eu não respondo por mim'' |
Decidi dar uma olhada na lista telefônica para verificar se havia outras homenagens. E havia. No total, a cidade tem uma ponte, três avenidas, duas ruas e uma travessa batizadas com o nome, digamos, artístico de José Ribamar Ferreira de Araújo Costa.
Trata-se de uma falta de classe inclassificável. Dar nome de vivos para ruas já é grosseria. Mas fazer isso várias vezes é de um mau gosto feroz, de uma breguice inacreditável. Um membro da Academia Brasileira de Letras deveria ter mais senso estético. Ou de ridículo.
Porém, virando as páginas da lista telefônica, percebi que José não era o único Sarney saudado pelos nobres edis. Havia também três ruas e uma travessa Marly Sarney, quatro ruas Sarney Filho, uma rua para o modesto Fernando Sarney e uma rua e uma travessa para Roseana.
Decidi dar uma busca na internet para ver se havia mais coisas com nomes Sarney pela cidade. E vi que o pobre ludovicense não tem como escapar. Ele nasce na maternidade Marly Sarney e depois vai estudar na escola Sarney Neto, ou na Roseana Sarney, talvez na Fernando Sarney, possivelmente na Marly Sarney ou, é claro, na José Sarney.
Para morar, pode escolher entre as vilas Sarney, Sarney Filho, Kyola Sarney (progenitora do ex-presidente) ou Roseana Sarney. Se passar mal, pode correr ao posto de saúde Marly Sarney. E, se sentir fome de saber, sempre há a Biblioteca José Sarney.
A oligarquia deixou seu nome por toda a cidade, assim como um fazendeiro marca seu gado com ferro em brasa.
Se o cidadão ficar indignado, há duas saídas: uma é a rodoviária Kyola Sarney. A outra é reclamar no fórum José Sarney, onde há a sala de imprensa Marly Sarney e a sala de defensoria pública Kyola Sarney.
Até pouco tempo atrás, o próprio tribunal de contas chamava-se Roseana Murad Sarney, numa clara demonstração de que não seria lá muito isento. Mas houve protesto e o nome foi retirado.
Aliás, o clã vem sofrendo derrotas. O próprio Sarney não se elegeu senador pelo Maranhão, mas pelo Amapá.
Hoje, depois de 46 anos de domínio sarneysístico, o IDH (índice de desenvolvimento humano) do Maranhão é o segundo pior do Brasil. E o de São Luís, que alguns moradores bem-humorados chamam de Sarneylândia, está em vigésimo-primeiro lugar entre as capitais.
Os nomes dos culpados estão espalhados pela cidade.
José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.
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