domingo, 13 de janeiro de 2013

A arte do trambique e da enganação


Por Alberto Dines



O mundo de hoje pode ser avaliado sem grande esforço ou complicados equipamentos, basta que o internauta examine o conteúdo da sua própria caixa postal. De cada conjunto de dez mensagens de spam, pelo menos três são trambiques. E alguns perigosos. Significa que um terço das mensagens de remetentes desconhecidos é constituído por fraudes ou falsificações, algumas delas disfarçadas em serviço público.


Comunicados da Receita Federal, do Ministério Público, polícias, fóruns judiciais, Detrans e bancos são armadilhas montadas por habilidosos hackers com as piores intenções. Loterias internacionais comunicam fabulosos prêmios, escritórios de advocacia dão notícia de incríveis heranças, entidades filantrópicas pedem contribuições, sheiks e emires querem os préstimos do destinatário, mulheres maravilhosas lhe oferecem suas virtudes – a Spamosfera é um gigantesco conto do vigário, ou lupanar, pronto a agarrar os distraídos, incautos, onanistas e também os espertinhos.


A constatação não visa a engrossar qualquer dos partidos, seitas ou irmandades que se digladiam em torno do acesso à internet. Esse é um debate imperecível, interminável, alheio aos marcos regulatórios e aos códigos internacionais, sempre bem-vindos embora sempre insuficientes.


As venenosas cartas anônimas de outrora, os abomináveis trotes telefônicos ou os incômodos volantes enfiados debaixo de portas não puderam ser evitados nem extintos. Os pasquins no Renascimento ou os sórdidos panfletos distribuídos antes, durante e depois da Revolução Francesa também não conseguiram ser proibidos. Simplesmente cansaram.


Contrafação, bastardia, travestismo e apocrifia existem desde que o ser humano descobriu a liberdade de burlar. Criatividade e enganação são limítrofes, o parentesco é complicado. Marcel Duchamps com o seu famigerado urinol “artístico” teria muito a dizer nesta matéria.


Não existem mídias organicamente desonestas; a internet neste momento é a mais vulnerável porque é a mais nova, não desenvolveu os mecanismos de autoimunização e autopreservação. Ao longo de quatro séculos a impressa depurou-se – o processo é lento, seguro e, sobretudo, endógeno. O que não significa o fim da compulsão trapaceira.


Quando a Amazon, o poderoso entreposto global de produtos culturais, decidiu moralizar as “resenhas” de livros, CDs e DVDs que publicava em seu site para enganar os trouxas, não o fez obrigada por uma sentença judicial. Nem por uma encíclica do Opus Dei. O rigor foi voluntário, autoimposto. A produção de resenhas favoráveis ficara tão acintosa que os executivos da empresa moralizaram o processo para preservar a credibilidade do negócio inteiro. Spams, assim como o telemarketing, vão cansar. O efeito bumerangue é inevitável.


Onde entram os contágios



A depuração e o saneamento da mídia impressa são visíveis, porém até os anos 1960 eram comuns os espaços designados como “A pedidos”, velho truque para disfarçar matérias pagas e republicar insultos originalmente inseridos em boletins de pequena circulação. Hoje, os “informes publicitários” começam a ficar visíveis e os magistrados mais atentos às calúnias.


Mas a crise que atormenta a mídia impressa está produzindo efeitos colaterais perniciosos que precisam ser rapidamente corrigidos, sob pena de apressar e tornar irremediável o fim do jornalismo em papel.


Num feriadão ou fim de semana prolongado nos Estados Unidos ou na Europa seria impensável a supressão de cadernos por conta da diminuição da circulação nas bancas e a desatenção dos assinantes. No Brasil, com a pletora de feriados no meio da semana e as indefectíveis “pontes”, criou-se o costume de suprimir cadernos. Economiza-se papel, o leitor não tem onde reclamar e fica tudo por isso mesmo.


Este Observatório tem protestado contra a agressão aos direitos do consumidor que paga o preço inteiro do produto, porém só recebe parte dele. A Folha de S.Paulo percebeu a procedência da reclamação e, sempre muito inventiva e mais sujeita às tentações, inventou uma emenda – como de costume, pior do que o soneto.


Nos esticados feriadões de Natal e Ano Novo, o jornal saiu com um sinete no alto da primeira página – “Edição de Feriado” –, sinal evidente de que o jornal estaria irreconhecível. De sábado a terça (22 a 25/12 e de 28/12 a 1/1) as edições foram massacradas sem piedade: cadernos combinados e esmagados, suplementos suprimidos, uma Folha ersatz (sucedâneo minimizado). Isso não se faz com o leitor que pagou por antecipação e lê o jornal mesmo quando seus acionistas acham que não vale a pena.


A publicidade também se impregnou com o Espírito Spam, a enganação massificada: a série de anúncios testemunhais da NET veiculada em alguns dos seus canais é uma aberração. São depoimentos fictícios, repetidos ad nauseam,que o telespectador acaba incorporando como verdadeiros. O Conar devia proibir esses falsos testemunhos em defesa da credibilidade da propaganda, já que não lhe cabe preocupar-se com a credibilidade dos meios que veiculam a propaganda.



O vírus do trambique merece combate implacável.





Alberto Dines é escritor e jornalista. Atualmente é pesquisador sênior do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, do qual foi co-fundador, além de coordenar o projeto Observatório da Imprensa on-line e pela televisão. Tem diversos livros publicados nas áreas da Comunicação, Litertura e Semiótica.

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